Você conhece a profecia do sertão virar mar?
A profecia de Antônio Conselheiro

Essa famosa frase, “O sertão vai virar
mar”, não é apenas uma expressão popular, mas uma verdadeira profecia carregada de simbolismo e história, vinda de um dos maiores ícones da resistência popular brasileira: Antônio Conselheiro.
Antônio Conselheiro não só foi um líder espiritual e religioso, mas também uma figura de forte resistência contra a ordem estabelecida do Brasil Imperial. Para muitos, ele representava o último bastião de resistência contra os desmandos do Estado e da Igreja.
O que poucos sabem é que, em 1833, muito antes de fundar Canudos, Antônio Conselheiro fez uma profecia que se tornou célebre. Ele afirmou que “o sertão vai virar mar”, uma previsão que misturava elementos de fé, misticismo e uma profunda visão sobre o futuro da sua terra natal – o sertão nordestino.
É importante considerar que a profecia também estava profundamente ligada à Guerra de Canudos.
A Guerra de Canudos (1896-1897) foi um confronto brutal entre os habitantes do Arraial de Canudos, liderados por Antônio Conselheiro, e as forças militares do governo republicano brasileiro. Mas, para entender a profundidade desse conflito, é preciso compreender o contexto que levou a essa luta feroz no coração do sertão nordestino.
O sertão nordestino, por séculos marcado pela seca e pela luta pela sobrevivência, sempre foi visto como uma região esquecida e desprezada pelo governo central do Brasil. No entanto, para o povo do sertão, era também um espaço de resistência e autonomia. O Arraial de Canudos, fundado por Antônio Conselheiro, se tornou um símbolo dessa resistência. Era um lugar onde o povo se uniu sob uma liderança espiritual e com um objetivo claro: sobreviver às adversidades do sertão e criar uma nova ordem, sem a interferência do governo e das autoridades.
Antônio Conselheiro, com sua fé inabalável e liderança carismática, fez a profecia de que “o sertão vai virar mar”. Mas o que ele quis dizer com essa frase?

Alguns estudiosos interpretam que a profecia de Conselheiro poderia estar associada à sua visão do sofrimento da terra e da sua gente. O sertão era um lugar de seca, pobreza e abandono, e a expressão "virar mar" poderia simbolizar a transformação radical da realidade árida e implacável em algo vasto, profundo e capaz de sustentar a vida.
Para outros, a frase pode representar uma transformação cósmica do sertão – onde o próprio destino da terra seria moldado pelas forças da natureza, como uma forma de justiça e equilíbrio. Em sua visão, talvez o sertão se tornasse um novo mar como uma representação da abundância ou de uma renovação espiritual, como se fosse uma espécie de ”milagre” capaz de reverter as condições difíceis de sobrevivência na região.
Em 1897, quando as tropas do governo brasileiro marcharam até Canudos para esmagar a resistência de Antônio Conselheiro e seus seguidores, o sertão parecia desolado e vazio, mas era também um local de resistência fervorosa, com um povo que acreditava nas palavras de seu líder. O que a Guerra de Canudos revelou foi que o sertão não era apenas um espaço de escassez e desespero, mas também um local de luta, fé e resistência contra a ordem imposta. A destruição de Canudos pelas forças do governo representou um ponto de inflexão na história do Brasil. Ao mesmo tempo que o sertão foi destruído, ele se tornou um símbolo da transformação de uma nação, que estava deixando para trás o Império e abraçando a República.

A profecia e a Guerra de Canudos foram imortalizadas no livro "Os Sertões" de Euclides da Cunha. Publicada em 1902, a obra de Euclides não só narra o conflito e a luta do povo de Canudos, mas também faz uma análise profunda das condições de vida no sertão nordestino, da cultura do povo sertanejo e das causas do conflito.
O autor, ao abordar a guerra, descreve o sertão como um ambiente hostil e difícil, mas também como um espaço de resistência. Seu livro revela o que muitos consideravam a última grande batalha do povo nordestino contra a ordem imposta pela República.
A profecia do Sertão antes do Ser...tão
Aprofundando-se na história geológica do Brasil, descobrimos algo fascinante! A região do Araripe, que atravessa os estados de Pernambuco, Piauí e Ceará, é conhecida por seu imenso valor geológico e arqueológico. Lá, cientistas descobriram fósseis marinhos, indicando vestígios de um antigo mar que cobria vastas áreas do que hoje conhecemos como sertão nordestino. Isso mesmo! Onde hoje vemos terras secas e áridas, o cenário era completamente diferente há milhões de anos atrás.

Fósseis marinhos encontrados na região do Araripe, como conchas, moluscos e até fragmentos de corais, são a chave para essa história surpreendente. Estes fósseis são testemunhos de um ambiente aquático que já dominou a região muito antes de ser marcada pela seca do sertão. A descoberta desses fósseis marinhos sugere que o sertão, antes de ser o que é hoje, foi submerso por um vasto oceano, que teria existido há milhões de anos, mais especificamente no período Cretáceo.
Nas formações que abrangem o Jurássico já foram encontrados tubarões, crocodilos e dentes de dinossauros. Se destaca também os troncos fossilizados, alguns com mais de dois metros de diâmetro que mostram o tamanho das florestas que tinham no Jurássico e que diminuem de tamanho no Cretáceo.

A frase de Antônio Conselheiro agora se refere a uma realidade bem mais concreta. Ao falar que o sertão "vai virar mar", voltamos a um passado em que o sertão já foi, de fato, um grande mar?
“Hoje a gente fala de aquecimento global, de eras geológicas, união de continentes, ciclos ecológicos do passado graças aos fósseis, principalmente da Bacia do Araripe, que são referência”
diz o paleontólogo Álamo Feitosa, numa entrevista dada ao o site Diário do Nordeste
Em termos simbólicos e espirituais, a frase de "o sertão vai virar mar" representa a busca por renovação e mudança, tanto no contexto espiritual quanto no físico, fazendo alusão a um ciclo contínuo de transformação que a terra e o povo do sertão sempre vivenciaram.
A Profecia de "Sobradinho"
Existe uma outra profecia que ecoa no imaginário popular e traz consigo uma reviravolta simbólica: a ideia de que "o mar virará sertão e o sertão virará mar". Essa frase aparece na música "Sobradinho", de Sá & Guarabyra, lançada em 2001 e que fala sobre o impacto das grandes obras hidráulicas e do processo de modernização sobre o sertão nordestino.
A obra reflete sobre as consequências da intervenção humana na natureza, especificamente sobre a construção de grandes obras de infraestrutura, como barragens, e seus impactos nas comunidades locais e no meio ambiente. A canção se refere à construção da barragem de Sobradinho, no rio São Francisco, e utiliza a metáfora do sertão que 'vai virar mar' para expressar a transformação radical do ecossistema e da vida das pessoas afetadas pela inundação que a barragem causaria.
A letra menciona cidades do sertão baiano que seriam diretamente impactadas, como Remanso, Casa Nova, Sento-Sé e Pilão Arcado, evocando uma despedida melancólica desses lugares. A repetição do refrão 'O sertão vai virar mar' carrega um tom de lamento e preocupação, enquanto a inversão 'o medo que algum dia o mar também vire sertão' sugere uma reflexão mais ampla sobre a vulnerabilidade dos ecossistemas e a possibilidade de desertificação. A música, portanto, além de ser um registro histórico de um período de grandes obras de engenharia no Brasil, é também um alerta sobre as consequências dessas intervenções para as comunidades e para a natureza.
A canção se tornou um clássico da música popular brasileira, não apenas pela sua melodia marcante, mas também pelo seu conteúdo poético e crítico. 'Sobradinho' é um exemplo de como a música pode ser um veículo para a conscientização e discussão de temas ambientais e sociais, refletindo as inquietações de uma época e permanecendo relevante ao longo dos anos.
A profecia de "Entre o Mar e Sertão"

No nosso mais novo curta-metragem intitulado "Entre o Mar e o sertão", o sertão, que foi sempre sinônimo de resistência e luta pela sobrevivência, passa a ser engolido pela água, e a água, que antes era escassa, vira uma nova realidade. O filme reflete sobre as consequências da intervenção humana no meio ambiente. O mar (ou a água represada) transformando o sertão, mas também afetando a vida das pessoas, traz à tona a crítica às grandes obras de infraestrutura e à falta de respeito com as terras e a cultura do povo nordestino.
Em nosso curta "Entre o Mar e o Sertão", buscamos essa conexão entre as profecias populares e as realidades naturais e sociais da região. O curta nos ajudará a compreender como a natureza e os mitos se entrelaçam com a realidade das transformações no sertão e no nordeste, e como essa mudança impacta a identidade do povo nordestino. A profecia de que o mar vira sertão e o sertão vira mar é uma metáfora profunda sobre o ciclo da terra e do ambiente, em que a relação do ser humano com o meio ambiente está sempre em constante mutação.
Mesmo com o passar dos anos, ao escutarmos a frase "o mar virará sertão e o sertão virará mar", ainda somos convidados a pensar sobre como as mudanças no nosso meio ambiente e as grandes obras de transformação podem alterar não só a paisagem física, mas também a cultura, a memória coletiva e a identidade de um povo. É uma reflexão sobre o impacto da modernidade e da intervenção humana sobre as forças da natureza e sobre como as profecias – seja nas palavras de um beato, seja nas palavras de uma canção popular e até mesmo de um filme – continuam a nos ensinar sobre os ciclos da terra.
Referências
BATE-PAPO COM NETUNO. Os fósseis do Araripe e sua importância para a compreensão da evolução do Atlântico Sul. 12 ago. 2021. Disponível em: https://www.batepapocomnetuno.com/post/os-f%C3%B3sseis-do-araripe-e-sua-import%C3%A2ncia-para-a-compreens%C3%A3o-da-evolu%C3%A7%C3%A3o-do-atl%C3%A2ntico-sul. Acesso em: 3 fev. 2025.
DIÁRIO DO NORDESTE. Como os fósseis da Bacia do Araripe ajudam a recontar a história do planeta. 27 dez. 2021. Disponível em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/regiao/como-os-fosseis-da-bacia-do-araripe-ajudam-a-recontar-a-historia-do-planeta-1.3136315. Acesso em: 3 fev. 2025.
LETRAS.MUS.BR. Significado. Disponível em: https://www.letras.mus.br/sa-guarabyra/356676/significado.html. Acesso em: 3 fev. 2025.
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